sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Fugacidade



O amanhã é abstração, mera invenção humana.
O tempo não se conta, se vive enquanto é tempo.
Quebra a rotina como quem derruba da mesa
Ao chão um valioso vaso de porcelana chinesa.
Como quem não tem senões, senão certeza.
Já que a vida é areia, grão, aragem, ocasião.
Sal na mão presunçosa, que se dissolve na água,
Quando na água é mergulhada a mão.
Diz a palavra agradável a quem tu gosta,
Enquanto a tem por perto, pois incerto a tem.
Toma a decisão necessária, todo arranhão sara,
Oportunidade é coisa rara, não espere repetição.
Inventa, tenta a resolução acertada, a revolução.
Que o rumo da vida se muda até num segundo.

 Fábio Murilo, 27.02.2015

Envelhecendo em um Minuto

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Reminiscências



Tuas fotografias agora doem, ofuscam,
Como quem mira o sol com os olhos nus.
Certas canções que ouvi já não ouço mais,
Tijolos sonoros a despencar dos tímpanos.
As lembranças que antes me acarinhavam,
Agora torturam, são dolorosas heranças,
Toneladas de ausência em meus ombros.
Todo apreço tem um preço, um ônus a pagar.
A emoção penetrando  janelas à dentro,
Inadvertidamente o vento a soprar.
Tudo aconteceu de fato, vivi e sou grato,
Embora só reste agora o mormaço,
Chiclete incômodo grudado no sapato.

Fábio Murilo, 20.02.2015

Aula/Espetáculo - Ariano Suassuna

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Desconforto



Os dias são tão comuns, são tão nenhuns, apenas são.
Vontade de quebrar a casca de rinoceronte das horas,
Nessa crise de inaptidão, nesse mal estar no mundo.
Na fuligem desses dias previsíveis, mortos em vida,
Da lesma se arrastando na superfície empoeirada do tempo,
Dos que inventam o que é direito, afeito a cada situação,
Dos ladrões de si próprios, adaptáveis, cotidianos suicidas,
Esperando o ano inteiro o recreio, o ópio do carnaval,
Pássaros acostumados pulando da gaiola pro viveiro.

 Fábio Murilo, 13.02.2014

O Androíde

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Da Inútil Pretensão



Não se envolta, não se remova pro outro.
Só ame a si próprio como fazem os caracóis,
Que, hermafroditas, bastam-se a si próprios.
Seja sócio de si mesmo, sem conflitos.
Ouça seu próprio grito ecoado nas pedras.
Congele eternamente como as geleiras,
Que mil sois, a muitas eras, não derretem.
Seja um poste na esquina a sustentar
Uma luz fria rodeada de mosquitos.

Vá exercitando, que talvez, com tempo,
Se transforme numa pedra de calçamento.
Ou se conforme, se não conseguir sê-lo,
A ser, como todos, uma pedra de gelo,
Que se dissolve ao menor toque.

Fábio Murilo, 25.01.2015