Em meio às baionetas
rebrilhantes, nuas,
aos toques de tambor, ao fremir
das cornetas,
e à algazarra febril que se
espalha nas ruas
arrastam-te em silêncio, em
pesadas carretas
Ao seguires assim, pensativo e
calado,
em meio à multidão que ansiosa se
comprime,
lembras, a passo lento, um pobre
condenado
levado ao cadafalso onde expiar
seu crime!
Talvez tenhas noção do crime que
praticas
se o perpetras distante, onde não
chegue o olhar,
- atiras teu projétil, num rompante!
e ficas
de joelhos como um monge em
penitência, a orar . . .
Tanto remorso há em ti. talvez,
dai culpas tuas,
e do mal que na terra entre os
homens, espalhas,
que após cada estampido,
assombrado recues
e ouves da retaguarda os gritos
das batalhas!
Lá adiante, os homens lutam
loucos e inconscientes,
e de vê-loa lutar não te sentes
capaz,
- como que te acovarda o
entrechoque das "frentes",
e te deixas ficar sozinho, para
trás!
Gerou-te a desumana perversão da
ciência
ninguém pode sentar-te no banco
dos réus!
Tens "alma", - mas ter
alma não é ter consciência
e teu dedo para o ar, é uma
apóstrofe aos céus!
Deus sem templo e sem fé, a
castigar as terras,
teu culto tem mais fiéis que o de
outro qualquer deus,
- vives para o esplendor
litúrgico das guerras
e dos vis interesses de cristãos
e ateus!
Bem outro poderia ser o teu
destino:
- uma estátua, talvez, a um sábio
consagrada;
mais humano serias continuando um
sino
ou mais nobre, talvez, se apenas
uma enxada!
Modelaram-te inteiro, - o corpo e
a alma de aço -
que culpa então terás, se o
próprio coração,
ao lançares no azul como a buscar
o espaço
em ruínas faz o mundo ao
deflagrar no chão?!
Defendo-te por isso, - tu, que
após o estrondo
tens reflexos de horror ouvindo o
próprio grito!
Pareces confessar tão alto o
crime hediondo
na esperança falaz de acordar o
infinito!
Te arrependes talvez... mas
sempre muito tarde,
- e se chego a perdoar-te a
inconsciência fatal
não perdoarei o engenho pérfido e
covarde
daquele que te fez como um gênio
do mal!
Bradas! Em vão têm sido os rudes
brados teus!
E quem sabe se inúteis sempre o
não serão?
E hás de ficar na terra, a
apontar para Deus
numa paradoxal e ousada acusação!
Moderno Prometeu! No teu suplício
atroz
no teu gesto impotente inteiro te
redimes,
- que ao falares, é em vão!
ninguém te escuta a voz!
nem sei de juiz capaz de bem
julgar teus crimes!
Deus escravo aos cordéis da
tragédia da guerra
os homens que te movem,
seguir-te-ão também,
para depois com as mãos sujas de
sangue e terra
recuarem como tu... tarde demais,
porém!
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Melhor fosses a estátua ou a pena
de um poeta,
a ferramenta humilde de um
trabalhador,
o sino de um colégio, o dardo de
um atleta,
ou um símbolo qualquer de paz,
trabalho e amor!
J. G. de Araújo Jorge