sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Convivio


Eu acho teu jeito tão lindo,
Não fala, você entoa um hino,
Sua boca é um vaso de flores.
Fala antes que eu diga, calo,
Advinha o que se passa comigo.
E eu não preciso dizer mais nada,
Nada que tu não saibas, tenha dito.
E tu te antecipas a mim e falas,
E eu me antecipo a ti e calas.
Falas pela boca que é minha
E eu calo pela boca que é tua.
Como se as nossas cordas vocais
Estivessem entrelaçadas,
 E minha mente emendada a tua.
  
Fábio Murilo, 21.09.2016

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Tubarão


Meu cachorro Tubarão, um legitimo vira-latas, também tinha suas predileções, seus apegos, gostava mais de tio Zezinho que de mim, seu dono, no coração ninguém manda, nem de um dito irracional. Tubarão... Tubarão porque se era um mamífero, um quadrúpede, um cachorro e não peixe? Tubarão porque, como era sabido, tinha que botar nome de peixe que é pra não pegar rabugem, diziam na época (não sei o nome científico da doença, uma espécie de sarna animal que faz, gradativamente, a medida que coçam, criar feridas e cair o pelo do bicho, que era tratada com banhos de folhas de melão, não esses melões vendidos em feiras, mas, um que dava no mato, com uns frutos diminutos, umas bolinhas vermelhinhas que só comiam os passarinhos e se a gente comesse morria, diziam). 

Pois bem, continuando, quando ele via tio Zezinho enlouquecia, não balançava só o rabo, balançava-se todo, rabo, cabeça, orelhas, patas, e lançava-se violentamente contra a porta, que dividia a cozinha da terceira sala, ou seria terceiro cômodo? E urrava alto com espantosa alegria. Tio Zezinho costuma trazer fatias de salsichas  pra ele, num pedaço de papel de embrulhar pão. Naquele tempo não se sabia de ração, dava-se o que tivesse pro bicho, resto de comida, etc. Só faltava ele dividir a mesa conosco, era da família, ora! Hoje não se veste os bichos, trata feito gente, rs. 

Pois bem, mas, num dia fatídico, de triste lembrança, porém, tubarão teve a infelicidade de comer ou deram pra ele “bola”, a bola que estou me referindo não era um brinquedo , um mimo, uma bola mesmo comprada em Pet-Shoppings, era uma armadilha pra matar cachorro, que consista pelo que ouvia falar, de carne enrolada com vidro picado ou esfarelado dentro, não sei se usavam 1.080 (veneno pra rato), mas a historia que era vidro mesmo, uma ultima refeição macabra preparada com requintes de crueldade, por alguém sabe-se lá porque. 

Pois é, Tubarão comeu. Mamãe viu Tubarão dentro do quartinho, caladinho, espumando que nem gente epilética, tremendo-se todo. Assim que soube tio Zezinho veio correndo. Deu leite, o antídoto mais acertado, na época, nem sabia que existia medico pra bicho, veterinário. E Tubarão nada, quer dizer, não estava mais nadando, agonizava, dilacerado em suas entranhas. Uma hora, teve jeito mas não, o leite não tava fazendo efeito. Tio Zezinho se afastou e só assistiu a tudo... Enquanto as lágrimas caiam uma a uma do rosto. E Tubarão foi lentamente mudando de reino... Estado... Virando pedra... Inerte...  Que não mais balançava o rabo, latia, se movia, se alegrava quando via o Tio Zezinho... nenhuma... Pedra, a-b-so-lu-ta-men-te estático. Tio Zezinho, calado... Nada mais podia ser feito. Pegou de uma inchada, solene, foi para o beco ao lado da casa e pouco a pouco, foi cavando a duros golpes, também a furar nosso peito, um buraco pequeno.  E depois nele de depositou o corpinho do fiel amiguinho canino, dentro do mais obscuro esquecimento. Abafando, de vez, silenciando os latidos, o jeito enlouquecido, quando o via, do cachorro com nome de peixe que é pra não pegar rabugem.

Fábio Murilo (11.09.2016)

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Apegado


Meu apego não te largo,
Nossa simbiose perfeita
Tão lindamente construída.

Sem você nada tem sentido,
Meu horto,  zona de conforto,
Meu refugio, meu abrigo.

Se não estou contigo,
Vejo-me sem braços,
 Ouvidos, emudecido.
Eu todo modificado,
Um oco, um misantropo.

Que é impossível não se envolver,
 Querer ser pela metade, amedrontado.
E se envolvendo não criar laços
E criando laços não estar envolvido.

Fábio Murilo, 31.08.2016