terça-feira, 20 de junho de 2023

DESVELO

(Para doce e preciosa Nanda Olliveh, 
onde quer que esteja)
 
Em que planeta te escondes, aonde.
Em que galáxia, há mil anos luz.
Em que beco sombrio, a tremer de frio.
Em que rua deserta dessa cidade hostil.
 
Minha preocupação ganha asas,
É um satélite pairando sobre tua casa.
É um cão de guarda, ave de rapina.
Mais atenciosa  que tua sombra,
Não te abandona na escuridão.

Minha preocupação é receio, cuidado.
Medo vão, zelo estremado, é ânsia.
Aponta a distância telescópios exagerados,
Devoção de monge ao templo sagrado.
 
  (Fábio Murilo, 03.12.2014)

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Balzaquiana

  
Mulher de trinta, 
Pelas tuas carnes, talvez 36. 
Estais naquela idade 
Que a chama arde, só tu queima. 
Não é tarde, também  
Não é cedo, é plena. 
Madura feito uma fruta  
Colhida no pé. 
Sumarenta e cheirosa, 
Caudalosa, apetecida. 
Já não é mais botão, 
Broto, é flor, é rosa. 
Alcançou o auge, o ápice. 
Completamente desabrochada. 
Temperada,  
De um dia pra outro 
Pra pegar gosto, 
Ficar apurada. 
Vinho promovido a safra. 
Pedra lapidada. 
 
   (Fábio Murilo, 26.01.2021)
  

domingo, 4 de outubro de 2020

Fatal

 
 Que rosto harmonioso
Que o olhar captura. 
Que gozo visual, 
Inesperado atropelo. 
Fisgar, cair
Em armadilha,

Preso, presa, lesma
Querendo fugir
Ao dardo, fingir, se evadir.
Ao ataque do leopardo.
 
Ir pra onde?
É sapatear no lodo, gelo,
Oficio movediço
Do buraco negro, zelo,
Que até a luz captura,
Ao que se aproxima, sina.
De tal formosura, ímã,
O olhar imprudente, 
Incauto, a certa altura,
Se transforma em escultura
De sal, feito nas escrituras.
 
Fábio Murilo, 02.10.2020
 

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Sem Novidades


 
 O mundo tá mais triste
Desanimado,  
O mundo tá um fardo.

Tá uma planície deserta 
Pra onde se olhe
Nada se vê.
Nem um planalto
Pra quebrar a mesmice,
O que eu disse,
Ou deveria,
Ou deixei de dizer.
 
Não mais sereia,
Seria, no mar,
Mas o mar não está 
Mais pra peixe.
Deleite.
 
Um caminhar no ártico,
Estático, sem cor.
Não mais algo camuflado,
Que, de repente, se mova, 
Qualquer coisa, comova.
 
Fábio Murilo, 20.09.2020

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Confinamento


Oh, pombos do telhado,
Vocês tão livres, é nos nas lives,
Que inveja me fazem!

Nos parecemos que estamos
Sendo punidos,
Por aprisionarmos outras aves.

Até as que estimávamos, 
As falantes, que nos imitávamos,
E achávamos uma graça,
Mas acorrentávamos,
Cortávamos suas asas.

Trancafiados, agora,
Em nossas gaiolas, 
Modificadas em casa,
Como caídos na própria armadilha.
Mas, se temos comida, temos água,
Que mais nos falta?

Temos espaço a vontade, comodidade,
Que mais nos falta pra reclamarmos?
Se achávamos que apenas isso bastava.

(Fabio Murilo, 05.05.2020)

quarta-feira, 22 de abril de 2020

A Fé


Se existisse um Deus
A nossa frente nos olhando
Não seríamos espontâneos,
 Nem faríamos planos,
Só agiríamos com medo
Porque tem um Deus nos olhando.

O livre arbítrio seria um desproposito,
Nada aprenderíamos
Se não estivesse errando.

Seríamos autômatos,
Não autônomos.
Não teríamos iniciativa.
Seríamos só obedientes
Subservientes,
Animal domesticado,
Pássaro engaiolado,
Árvore sem frutos.

 (Fábio Murilo, 19.04.2020)