sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Tia Maria


Minha tia Maria, uma figura! Um dia minha irmã resolver dar a ela, no seu aniversário, uma televisão pequeninha, que dizer era o menor tamanho na época, daquelas antigas do Paraguai, que só tinha em preto e branco que eu saiba, que os muambeiros traziam. Minha tia, que morava sozinha e não tinha, agradeceu pela lembrança nessa data querida, mas, disse que não queria... ?  A TV era muito pequena, tela deste tamanhinho, coisa e tal, ia querer não, estava muito agradecida pela lembrança, de coração, mas, que ela vendesse, rifasse, mas não ia ficar. Se ficasse deixaria num canto, não assistiria, não ia ter serventia. 

Às vezes, quando eu comento por ai, as pessoas ficam escandalizadas, chegam a perguntar se era ela doida. Ai eu pergunto o que você faria? Os caras dizem: - Sua tia não soube nem fazer. Receberia e guardaria, mesmo não gostando, e daria depois de presente a outro, numa futura festividade igual, de parabéns. Ai eu pergunto: - E se quem presenteou perguntasse depois pela TV? Respondem: - Ótima! Que imagem, Ô! Todo dia eu assisto, diriam, desenrolados. (Santa hipocrisia, tia Maria, perdoe-lhes eles não sabem o que fazem!).

 Uma vez tia Maria foi morar numa casa alugada na Bomba do Hemetério, dias depois, descobriu que na casa em frente a sua vivia, melhor, vegetava, uma senhora em cima de uma cama, olhos fixos no teto, vitimada por derrame, num estado total de penúria, abandonada. Ali mesmo fazia as necessidades fisiológicas, imaginem vocês, em cima da cama, tava tudo irritado. Descobriu que ela tinha parente próximo o marido que já vivia com outra e morava na casa ao lado da sua, o proprietário de sua casa Condoída, tia Maria, procurou o marido da moribunda esposa e propôs cuidar dela em troca da inserção do aluguel e de um prato de comida unicamente, nada mais, era enfermeira inclusive. Ele aceitou. Tia Maria passou então a cuidar dela e foi morar na casa em frente. Passava um pano úmido nas partes, já que ela não podia se locomover ao banheiro, botava talco pra ficar cheirosa, trocava as roupas e ficava ao lado daquele ser inerte,"tudo só quer zelo", dizem. Até que um dia, como acontece com todos, bons e maus, sadios ou não, vir a falecer, devido as complicações do mal que ao corpo a aprisionava definitivamente. Uma coisa não se pode negar, tia Maria era uma mulher de atitude e personalidade
   
Fábio Murilo, 26.08.2016

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Convivência


Que eu não te pertença de vez
E tu não me pertenças tanto,
A ponto de não sentir mais
Saudade, a ânsia do encontro,
Inconstância. O relacionamento,
Depois, cimentado, a criar lodo.
Prá que o querer tão cedo
Não se extinga todo, prato dado
A quem, a dias, com fome
Numa glutonaria, rapidamente,
Será devorado. Em vez disso,
O querer feito em petisco,
Aperitivo, melhor seria,
Apreciado, degustado,  
Sem a pressa de ser saciado.

  (Fábio Murilo, 17.08.2016)

sábado, 13 de agosto de 2016

Insone


A minha estrada
Cruzou com a sua
Agora somos sol e lua.

Amanheci e já não estava só,
Acordei no meio de um sonho
E não queria mais dormir.
Tantas vezes que sonhamos
E acordamos frustrados,
Apertando os olhos, angustiados,
Querendo retomar o sono.
Porque, a realidade que somos,
Já foi, um dia, a que não fomos.

Fábio Murilo, 13.08.2016

sábado, 6 de agosto de 2016

A Voz do Morto



O morto não tem honra,
O morto não tem moral,
O morto está livre,
No corpo já não vive.

Não é bom, nem é mal,
Não age, nem interage,
Menos que um vegetal,
Igual a um mineral.

Fadado ao esquecimento,
Como se aqui nunca estivesse passado.
Vários anos apagados no quadro negro,
Desse negro quadro.

Enquanto a vida continua...
Contínua, feito um rio perene.
Versátil, diversificada,
Jamais estagnada,
Morta nem nas poças d’água.
Que mesmo ainda assim há vida,
Na água que não se vê nada.

Fábio Murilo, 24.04.2010