quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Notável


Ela é tão pura como quem nunca sabe,
Integra como heroína da sessão da tarde.
Intacta, entalhada, maleável, esculpida,
Irretocável, definitiva, obra prima.

Tem a elegância das torres, mirantes,
De onde se vê ao longe o sol se pondo,
Segurando o extasiado olhar que estaciona.
Calando as desnecessárias palavras,
No trato, no tanto que emociona.
  
Fábio Murilo, 27.12.2016

domingo, 18 de dezembro de 2016

Entrementes


Quando estou do teu lado,
A vida não passa, me alisa, desliza.
Nenhum minuto é desperdiçado,
É uma sobrevida, alívio, lenitivo,
Um fôlego a mais a um afogado.

Mas, se não estás tua falta é sentida,
Pressentida, uma sede, uma nódoa,
Espinho encravado na carne, arde.

Os cômodos ficam incômodos:
Quartos, cozinha, terraço, telhado,
Sala de estar sem você estar.
A casa toda não me cabe, sufoca,
Por mais que eu abra portas e janelas
Nem o mundo todo me comportará.
Pois tudo o que importa não está
Lá fora, é dentro de mim que está.

E pense numa coisa frustrante, sem graça,
Mesmo que sentar numa praça no deserto,
Olhar o leito vazio de um rio que já não passa,
Não ver no céu um eclipse, na hora agá nublado,
Que depois não se sabe quando ocorrerá.

Fábio Murilo, 11.12.2016

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Guerreira


Guerreira eu sei que tua vida não tem sido fácil, eu sei, guerreira. Mas, és valorosa, tu és uma rosa no meio do charco, tu és de ferro, uma rocha inabalável que o vento fustiga, as ondas castigam e em troca te adaptas, virás escultura, fica mais admirada, admirável, mais bela, transformas as vicissitudes em lucro, aprendizado. 

Daqui de baixo observo teu rastro, nessa insignificância cotidiana, sobre a qual tu planas feito um pássaro, uma águia soberana, com tuas lindas plumas reluzentes, incandescente, contra o sol inclemente, realçadas. Também tens a brancura das garças, és uma graça, guerreira, que nunca se macula, se suja nas águas turvas, barrentas dos rios correntes, e magoas adjacentes, sempre reluzente, de um branco impecável, que dói na vista, mesmo na lama dos mangues. Tens a envergadura dos condores dos Andes, nas alturas, nas dores, aonde ninguém se aventura, só tu guerreira, mulher ave, leve. 

Teu fôlego é impressionante e impressionável, também mergulhas, quando queres, perfeitamente adaptável aos mares insondáveis, nunca dantes navegados, meio mulher, meio ave, meio peixe, sereia, peixe voador, seria, mais apropriado chamar-te, em tal profundidade aonde só são observáveis os peixes abissais, com seus corpos brindados, iguais ao teu, guerreira, que aguentam pressões absurdas, temperaturas incalculáveis e no entanto nada dizem, reclamam, como que acariciados no ambiente adverso, simplesmente pairam, calmos, tranquilos, esguios, encantam, fascinam, até produzem luzes próprias que nem vaga-lumes de um céu ao contrario, no breu dos mares, no frio extremo onde nada mais sobrevive. 

E já és vitoriosa, guerreira, vivo te dizendo, te proclamando, só sendo agora o que és. Mas com teu jeito versátil, dinâmico, não paras, não te dás por satisfeita, vencida, sempre inventando, se superando... És uma sobrevivente, guerreira, da mesma feitura dos metais preciosos, pérolas, pedras raras, valiosas, emergentes dos fundos dos rios, da profundeza hostil da terra, do barro, que não se compara a qualquer seixo, pedregulho, cascalho e que devem ser guardados a sete chaves, com todo cuidado e zelo, porque são difíceis de tê-los e encontrá-los.

Fábio Murilo, 04.12.2016

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Eis a Questão


Minha vontade te queria perto,
A perfeita adequação, simetria,
Que qualquer uma teria, bastasse
Ter tua cor, teus cabelos, teu jeito
Noutros corpos feitos, continuados.

Aquela da esquina podia ser tu,
E mais aquela outra, no ônibus
E essa, tão parecida então...

Seria mais cômodo, mais fácil.
Menos inacessível, improvável.
Se o sentimento tivesse lógica,
Se no querer houvesse razão.

Fábio Murilo, 29.11.2016