sexta-feira, 31 de maio de 2013

Do Perfeitamente Integrado

Falta-lhe a necessária coragem
Para romper a camisa-de-força 
De rígidos pragmatismos...
E alargar os ângulos
De sua previsível realidade.

Na pele de seu herói TV
De ações mirabolantes,
Ou d’algum personagem 
De uma lírica novela
Ele sonha...

No dia-a-dia mostra-se apático,
É apenas uma múmia de seriedade.

Fábio Murilo-29.10.90

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Nos Intervalos da Vida

O tédio é um prédio
De muitos andares
E muitos pilares
A sustentar-lhe o peso.
É um caminhar a esmo
Por uma estrada empoeirada.
É a angustiada solidão
Que predomina nas madrugadas.
É um medieval instrumento de tortura
Que me tritura os ossos 
E se perdura em ócios.

Fábio Murilo, 10.09.87

Morte e Vida Severina - Video Completo

Menina e Moça

Está naquela idade inquieta e duvidosa,
Que não é dia claro e é já o alvorecer;
Entreaberto botão, entrefechada rosa,
Um pouco de menina e um pouco de mulher.

Às vezes recatada, outras estouvadinha,
Casa no mesmo gesto a loucura e o pudor;
Tem cousas de criança e modos de mocinha,
Estuda o catecismo e lê versos de amor.

Outras vezes valsando, o seio lhe palpita,
De cansaço talvez, talvez de comoção.
Quando a boca vermelha os lábios abre e agita,
Não sei se pede um beijo ou faz uma oração.

Outras vezes beijando a boneca enfeitada,
Olha furtivamente o primo que sorri;
E se corre parece, à brisa enamorada,
Abrir as asas de um anjo e tranças de uma huri.

Quando a sala atravessa, é raro que não lance
Os olhos para o espelho; e raro que ao deitar
Não leia, um quarto de hora, as folhas de um romance
Em que a dama conjugue o eterno verbo amar.

Tem na alcova em que dorme, e descansa de dia,
A cama da boneca ao pé do toucador;
Quando sonha, repete, em santa companhia,
Os livros do colégio e o nome de um doutor.

Alegra-se em ouvindo os compassos da orquestra;
E quando entra num baile, é já dama do tom;
Compensa-lhe a modista os enfados da mestra;
Tem respeito a Geslin, mas adora a Dazon.

Dos cuidados da vida o mais tristonho e acerbo
Para ela é o estudo, excetuando-se talvez
A lição de sintaxe em que combina o verbo
To love, mas sorrindo ao professor de inglês.

Quantas vezes, porém, fitando o olhar no espaço,
Parece acompanhar uma etérea visão;
Quantas cruzando ao seio o delicado braço
Comprime as pulsações do inquieto coração!

Ah! se nesse momento, alucinado, fores
Cair-lhe aos pés, confiar-lhe uma esperança vã,
Hás de vê-la zombar de teus tristes amores,
Rir da tua aventura e contá-la à mamã.

É que esta criatura, adorável, divina,
Nem se pode explicar, nem se pode entender:
Procura-se a mulher e encontra-se a menina,
Quer-se ver a menina e encontra-se a mulher!
 
Machado de Assis

sábado, 18 de maio de 2013

Da Relativa Opção

Não, você não foi um objeto.
Digamos... uma bicicleta.
Onde eu considerasse a cor;
Ponderasse sobre a melhor marca;
Observasse a beleza e funcionalidade
De seu “design”;
Exercesse, enfim, meu direito
De livre consumidor.

O amor, frequentemente é um réptil:
Esquivo, sorrateiro,
Estranhamente arrebatador.

Fábio Murilo, 02.02.90

Então, eu li Fernando Pessoa...

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Pretérito Perfeito

O passado é um gado manso
Pastando num vale ensolarado;
É uma cadeira de balanço
No canto da sala;
É um tigre de bengala
Cochilando na jaula;
É um lago esverdeado
Pelo lodo acumulado no fundo;
É o mundo estagnado
Da janela do quadro;
É um instante de alegria
Capturado numa fotografia.

Fábio Murilo, 20.02.2002

Soneto de Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius de Moraes