sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Vem Sentar-te Comigo, Lídia, à Beira do Rio

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçámos as mãos, nem nos beijámos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.

Ricardo Reis, 12-6-1914

2 comentários:

Humberto Dib disse...

Concordo, Fábio, está morrendo, mas é por causa dos poetas atuais que acham que poesia é breguice...
E não estou falando de você, que fique claro!
É uma pena.
Um abraço.
HD

Fábio Murilo disse...

Pois é colega, esse título foi mais uma provocação, um convite à reflexão, mas não deixa de ser uma preocupante verdade. Trabalho em uma área pobre em minha cidade em que as pessoas não se dão ao trabalho de ler uma placa, uma sigla, por puro comodismo, desinteresse, imagine interpretar um poema. E por conta disso surgem situações engraçadas, irritantes e no fundo dolorosamente tristes, de uma juventude, de uma população que tem que tomar decisões a toda hora: influir, mudar seu destino, exercer sua cidadania, e transformar sua cidade, seu pais, e parece não ter consciência disso, dessa imensa responsabilidade, isso é sério. E por conta disso viram massa de manobra dos oportunistas de plantão, dos manipuladores da burrice coletiva. Quem não lê para no tempo, estaciona na vida, vive no imediatismo dos animais. A situação é tão ruim que um famoso poeta/escritor brasileiro Mário Quintana, diz: “... Eu acho que todos deveriam fazer versos. Ainda que saiam maus. E preferível, para a alma humana fazer maus versos a não fazer nenhum. O exercício da arte poética é sempre um esforço de auto-superação e assim, o refinamento do estilo acaba trazendo a melhoria da alma. E mesmo para os simples leitores de poema, que são todos eles uns poetas inéditos, a poesia é a única novidade possível. Pois tudo já está nas enciclopédias, e só repetem estupidamente, como robôs, o que lhes incutido. Ah, mas um poema. Um poema é outra coisa...”.

É claro que o brega é sempre uma coisa vil, desprezível, de mau gosto, há que ter um mínimo de bom senso prá não cair na banalidade, do que seria melhor que não fosse dito. Por fim, agradeço sua visita a minha humilde residência virtual, apareça mais vezes, sinto-me honrado.

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