Alguém jogou uma casca de banana no chão. Outro alguém
ia passando, escorregou, caiu e teve traumatismo craniano. Socorrido não
resistiu, morreu, deixando mulher e dois filhos. A mulher nem trabalhava, os
filhos tão pouco, mal adolescidos. Os dias foram passando... A mulher foi
ficando amarga. Começou a faltar carne, arroz, feijão e outras necessidades
básicas, inclusive afeto, alimento da alma, a presença masculina, o pai, o
marido, o provedor. No lugar da presença a ausência, agora, sua única
companhia, se agigantando... Restou um oco tamanho do mundo, um buraco sem fundo,
um túnel sem nenhuma luz. Olhava com apatia o quarto vazio... A cama enorme...
Um rio de saudade inundando a casa. Não mais aquela presença tão a mão, tão
amiga, o marido, o amigo, o irmão, aquele que providenciava tudo. Tão
cotidiano, tão palpável, tão amável. Tão
acostumada que estava, tão diuturnamente constante, nunca mais... Como era
possível?! O que, agora a pouco, tão presente, estava ausente, e, ao mesmo tempo, tão vivamente constante, onipresente, já não mais estava, restara inesquecível.
O filho foi crescendo, se regenerando, criando barba e
outros sinais de emancipação, era um rapaz. Se envolvendo, como dizem, com más
companhias, tornando-se um produto do meio. Cadê o pai pra dar-lhe conselhos?
Ficou uma lacuna, um vácuo, uma perigosa concessão. A mãe a muito era uma
figura apagada, descuidada, destruída, um esboço de vida, uma ferida aberta, uma
lamentação. Vivendo por viver, pelos cantos, sem encanto, por obrigação, nem
ligava. Ao filho, estava escrito, destinado,
predito, tão certo como dois e dois são quatro, não cinco, virar ladrão. A
filha, linda, cresceu aos olhos de todos os abutres de plantão, dos
galanteadores, dos labiosos, Don Juans periféricos, do alto de suas motos potentes,
símbolos de ostentação, que enchem as pistas e a vista das mocinhas, marias
gasolinas, como ela, de plantão. Outdoors ambulantes, são eles, papéis de
paredes itinerantes, homens-cobras, tatuados. Ela formosa, carne nova no pedaço,
rubra rosa, a “novinha” dos bailes Funks. Agora falada, de mão em mão, de um,
de outro, de todos, virou até mulher de bandido. Disseram, até, já tê-la visto toda
enfeita nas esquinas do centro, agora mulher, mulherão, moça de programa. Não do
programa do Luciano Hulk, nem do Faustão, uma das dançarinas. Tinha jeito,
tinha corpão, tinha rosto bonito, mas não, seguiu outra sina, dançarina de outros
palcos, de outro publico, menos seleto, mais eclético, menos pudico, indiscretos,
em ambientes não muito recomendáveis, nem um pouco requintados, de mão em mão. Inclusive,
por ironia, também nas mãos de quem um dia, sem saber que seria o pivô de toda essa situação, jogara a inocente casca de banana no chão.
34 comentários:
Isso acontece mais do que podemos imaginar. Você, Fábio, abordou um tema triste, porém, soube fazê-lo com muita propriedade.
Perfeito o desfecho.
Beijos!!!
Um texto que gostei de ler!!
Beijo, bom fim de semana.
http://coisasdeumavida172.blogspot.pt/
Acontece o tempo todo por aí...
É realmente uma tragédia anunciada, a qual muitos simplesmente ignoram o aviso.
Ótimo texto!
Beijos e bom fim de semana!!!
http://simplesmentelilly.blogspot.com.br/
Uma prosa com um cunho bem dramático!...
A demonstração de que basta uma simples casca de banana, atirada negligentemente para o chão, para mudar num instante a vida de de uma família. E de como uma família não deve depender exageradamente de um único membro, porque na falta dele tudo se pode desagregar. Pensemos no entanto, que assentes e boa educação e sólidos valores, os filhos teriam encontrado os caminhos certos, mas para tudo isso teria sido necessário uma mãe que não tivesse "sucumbido" perante a ausência do marido e pai dos seus filhos.
Um destino triste, embrulhado numa simples casca de banana.
Gostei, Fábio!
Bom fim de semana.
xx
Muito bom, Fábio! Prende o leitor até o final para ver a situação da família. Realmente, uma família completamente desestruturada, uma mãe que não preencheu as lacunas, coitada, e os filhos desviados, sem suporte, tateando e se perdendo... Essa sua narrativa é muito real, e prova que os filhos precisam dos dois pais: carinho, amor, mas orientação e um pulso forte. Foi o que faltou à família. E a mãe se anulou.
Gostei muito, até estranhei você na prosa... Surpresa muito agradável!!
bjus!
Ficou show Fábio!
Ao ler, apesar de não ser um poema,... senti grande harmonia, de sentidos e palavras bem colocadas...
Se superou como de costume, eu que não gosto muito desse tipo de texto...
Amei ler-te!
Beijos!!!
BRAVO! Infelizmente essa situação se espalha por tantas famílias de tantos lugares, talvez não do mesmo jeito, mas sem dúvidas existem muitas outras personagens tais como estes. Adorei, gostei muito da ligação do final com o início. ♥ Parabéns!
ACESSO PERMITIDO. ♥
www.acessopermitido.com
Oi Fabio,
A vida imita a arte ou a arte imita a vida?
Vai saber... mas seu texto cai muito bem nos dias
atuais.Gostei.
Beijo
Que grata surpresa me deparar com uma prosa poética por aqui Fábio! Acho que é a primeira que leio sua e devo dizer que está de Parabéns. Adorei o tom envolvente e frenético do texto, além da memorável ironia no final! ;-)
Espero lê-lo mais assim. Sempre soube que é um escritor versátil.
Abraços amigo!
OI FÁBIO!
UM TEXTO PRIMOROSO,COLOCANDO UMA SITUAÇÃO REAL ONDE TUDO SE ENTRELAÇA COM PERFEIÇÃO.
ADOREI, ARABÉNS.
ABRÇS
-
http://zilanicelia.blogspot.com.br/
Pois é, Marcos. Abraços!
É mesmo Shirley, nos subúrbios distantes e esquecidos, de uma gente marginalizada e sofrida. Um eterno ciclo vicioso. Obrigado! Beijos!
Obrigado, Cidalia. Beijos!
Seja bem vindo amigo. Feito o convite, darei uma passadinha para apreciar teu blog. Abraços!
Toda hora, Lilly, infelizmente. Obrigado!
Uma pequena formiga poderá danificar todo o ecossistema.
Adorei a postagem embora um pouco dolorosa e amarga, como a realidade assim é...
Um abraço, amigo.
É, situação comum, diria, em grande maioria dos lares, essa degradação Laura, por "enes" motivos. Educação é tudo, escudo, a maior herança que os pais podem deixar pros filhos. A verídica casca de bananas que me inspirou foi só o pretexto. Tinha um tio que morreu ao escorregar numa e bater a cabeça no meio fio e sofrer, consequentemente, traumatismo craniano, motivo banal de expirar a vida, mas ocorre, já vi mais de um caso. No caso em questão, fico imaginado... E se alguém cair... Quebrar uma perna... Coluna! Ficar paraplégico... Morrer! Vai passando um filme na minha cabeça. E as consequências? Tipo, efeito domino... A mulher depois, os filhos, que dependem dele... Num tem só ele por trás... Olhe.. Ai eu começo a me sentir também culpado, conivente com que jogou a casca de banana. E eu podia ter evitado, ao ver. Pequei por omissão, coisa assim... rs. Vou lá e faço a minha parte, chuto pro canto do meio fio, rs. Abraços!
Num foi, Tais. Fiquei meio assim, foi fácil não, rs. E principalmente que tu ia ver, uma cronista de mão cheia. Não tive a intenção de escrever em prosa, foi saindo assim... Podia ser uma poesia, mas foi saindo, fluindo, como disse e eu fui dando corda, deixando, pra ver aonde ia dar. Legal que gostou, dá uma aliviada, rs. Obrigado, Beijos!
Own... Companheirinha, que legal! Tão meigazinha e gentil. Obrigado pela força de sempre! Amabilíssima! Beijos!
Entendo, Fábio.Mas a verdade é que não és culpado pela casca de banana que um dia surge nos pés de alguém, se não foste tu a atirá-la.
xx
Obrigada, Fábio, pela parte que me toca!
Mas acho que deves dar umas proseadas de vez em quando (rs), todos gostaram, se surpreenderam, abraça essa causa, também!
Poeta já és...
beijo!
R. É verdade:)
É verdade, Elcimar. problema comum esse da desagregação, mudando só as causas que a motivam. Obrigado!
Frequentemente as duas se confundem. Obrigado, garota, Beijos!
Poxa... Saber isso de você foi a gloria, Vitão! Contista hábil e muito técnico, além de muito culto. Obrigadíssimo! Sinto-me lisonjeado.
Obrigado.Zilani, pelas motivadoras palavras. Abraços!
Pois é, Paulo Silva. Abraços!
Muito verdade, Ellie.
Modo de dizer, Laura. Mas, não existe o homem errado na hora errada, dizem... O sou o cara certo na hora certa, de repente, do chutar uma casca de banana, um caco de vidro, um prego com a ponta pra cima pro canto do meio fio. De repente posso apenas estar salvando alguém de uma queda boba, "uma pagação de mico" (constrangimento), como posso estar evitando uma tragédia, sei lá, né exagero não, acidentes acontecem, ou interferir positivamente na teoria do caos: http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-que-e-a-teoria-do-caos. Abraços.
Ô, que gentil! Obrigado! Beijos!
São as complexidades da vida, em que todos são
atingidos no processo maior. Porém cada um tem
que caminhar sozinho (no seu tempo), pois faz parte
da vida também e sim, cada um é responsável
por suas escolhas...
Abraço, Fábio!
Ps:Quero lhe dizer numa boa, você
tem trocado o meu nome várias
vezes, "não ligo", mas gosto
do meu nome Suzete do que
"Zuzete", o meu é mais bonito...rss
Me chama pelo o meu nome, tá?
Eu gosto tanto dele!...
Poxa! Super comentário! Ah, ando trocando seu nome varias vezes? Ops! Desculpe. Mas, ligue sim, desatenção gravíssima! Me perdoe! "Zuzete", onde já se viu, terei a língua presa por acaso? Mil perdões, SUZETE!
Já estava perdoado, agora o perdão em dobro depois
desta sua resposta rica de humor...rss
Bom final de semana, Zábio, eita, Fábio...rss
Abraço, Fábio!
Tá, certa. rsrsrsrs...
Postar um comentário