sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Reciprocidade


Afinidade é coisa elaborada
Como arranjos de flores.
É um primeiro instante,
Com a estranha sensação
De já ter ocorrido antes.

Afinidade não tem explicação
É uma em um milhão,
Um prêmio, um achado.

A quem se descubra surpreendido
Quando se vê no outro refletido.
Tão parecido que assombra,
Mas aproximado que sombra,
Incrivelmente assemelhado.

 Fábio Murilo, 13.09.2014

Velho Tema - Vicente de Carvalho/Paulo Autran

A Mulher que Passa - Vinicius de Moraes

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A Janela


A pedra olhada mais detidamente, é vária,
Servindo de abrigo ao tímido inseto,
Refletindo a claridade, criando limo.
E aqueles transeuntes apressados,
São depósitos de sonhos, itinerantes,
São máquinas calculadoras ambulantes.
A vida tem compartimentos, instantes:
O instante do facho de luz que penetra
Pelos vidros da janela cortando a escuridão,
Trazendo a manhã pelas mãos;
Da formiga que sobe em meu braço,
Em meio à selva de pelos, obstáculos;
Da existência toda resumida num só bolo,
Não saboreada nos detalhes, nos contornos,
Pelos cantos, feito um prato de papa;
Das luas que se desfazem em fases;
Das estrelas que brilham mais,
Quando se apagam as luzes artificiais;
Do óbvio tão imperceptível na cidade,
Invisível a quem vive apresado,
Obcecado por necessárias futilidades.

Fábio Murilo, 17.09.2014

Meus Oito Anos - Cassimiro de Abreu/Paulo Autran

Cruzou por Mim... Fernando Pessoa/Jô Soares

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

O Duende Encardido


Os olhos ameaçadores
Como os de um felino no escuro,
A boca que blasfema palavras obscenas,
As mãos que afanam teu ouro
 E profanam tua tranquilidade,
O corpo acintosamente sujo...

Como que liquefeito
 Na mesma substância
Repulsiva e pegajosa,
Do teu escarro.
Como que misturado
Ao que sai de ti mesmo
 E a ti mesmo provoca asco,
Constrangimento,
O nojo hipócrita
Do próprio excremento.

Fábio Murilo, 09.11.93

Inventário de Cicatrizes - Alex Polari/Juca de Oliveira

Evocação do Recife - Manuel Bandeira

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

À Evidente Beleza


A beleza externa é efêmera.
Breve como os cometas,
Leve e frágil como pluma,
Como bruma na manhã,
Como o afã de viver.
Sabe que tudo passa, é fugaz,
Mesmo assim é graça,
Por enquanto, alvorecer.
Flash, reflexo, espanto,
A seduzir olhares perplexos
Capturados pelo encanto.

À beleza externa, no entanto,
Que importa se um dia
Será melancolia, saudade,
Amarelada no retrato.
Sortilégio, obra do acaso,
Privilégio, supérfluo,
Irrecuperável ao perecer.
É bonita por não ser eterna,
É eterna quando se vê.

Fábio Murilo, 05.09.2014

Soneto de Fidelidade - Paulo Autran

Metade - Oswaldo Montenegro