sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Ausência



Como pão com sabor de nada, a minha boca tá estranha.
Tem um oco em meu peito, um coração sangrando,
As vísceras expostas num espetáculo medonho.
Não queria mais sofrer, mas não teve jeito,
A vida sempre desaponta, é essencialmente trágica.

Eu vi a glória do céu se abrir, voei num corcel alado,
Pairei sobre os edifícios, contemplei pores de sol,
Luzeiros prateados, luares de cristal, faróis dos carros.
Respirei o ar gelado da noite da mais alta atmosfera.
Vi uma nova era surgir, um novo século se abrir.

Foi quando um buraco engoliu o menino correndo,
Um tiro no peito da ave canora, em pleno voo,
A fez cair enxague numa poça de sangue, sucumbir.
De repente tudo se inverteu, e o que era céu virou chão,
O que era espaço, escasso, o que era caminho, contramão.

Um cometa destruiu tudo, toda fauna e flora se foram.
Queimou florestas e deixou desertos, incertos.
Tudo virou nada, lugar nenhum, escuridão, desolação.
O que era perto ficou longe, estrada pra lugar algum.
A vida toda retrocedida à estaca zero, agora seria,
Triste constatação do que tinha a toda hora e não mais teria.

Fábio Murilo, 17.01.2015

36 comentários:

Carol Russo S disse...

Eu gosto muito da tua poesia e, como já te disse algumas vezes, quando ela é triste se torna ainda mais esplêndida. "A poesia precisa de dor", e eu preciso das duas, a poesia e a tristeza, entrelaçadas.
"Um cometa destruiu tudo, toda fauna e flora se foram.
Queimou florestas e deixou desertos, incertos."
Essa seria a representação mais fiel de um coração machucado. Parabéns, Fábio!
Obs.: a música de fundo combinou perfeitamente. Ouvi as melodias chorarem.

Cidália Ferreira disse...

Um poema muito bonito, com salpicos de tristeza.... Amei

Beijo, bom fim de semana

http://coisasdeumavida172.blogspot.pt/

Ariana Coimbra disse...

Arrepiei ao ler cada linha. Não sei se é por eu estar vulnerável, introspectiva deixei cair algumas lágrimas.

"A vida toda retrocedida à estaca zero, agora seria,
Triste constatação do que tinha a toda hora e não mais teria."

Perdi as contas de quantas vezes precisei (re)começar do zero, deixar partir sentimentos, momentos, lembranças e pessoas. É triste, mas é preciso.
Espero que você perceba isso, a dor diminui.
Belas palavras!

Fábio Murilo disse...

Obrigado, Cidália. Beijos.

Fábio Murilo disse...

Poxa, Ariana. Que sentimentos intensos, aflorados, externou. Perceber? Esse poema foi a descrição de uma sensação, um estado de espírito momentâneo, não quero que ninguém parta não, Deus me livre, fiquem! Rs... Obrigado, gentil escritora. Beijos!

Fábio Murilo disse...

Obrigado, Carol, é mesmo. 99,99% das musicas, por exemplo, falam de dor, são sofridas. Talvez quando nos sentimos felizes, já estamos plenos. O sofrimento é carência, é falta,é contenção, é a antítese do prazer. É uma panela de pressão abrindo válvulas de escapes por todos os poros. É ânsia a sublimar, a se debater, a reclamar, a lamentar. Beijos!

Laura Santos disse...

Um poema cru, feito de peito aberto, com o sofrimento exposto de forma carnal, porque o sofrimento é visceral.
A dor que se sente quanto tudo se teve, ou quando tudo se sonhou, mas parece que todo o corcel alado nos despeja sempre algures, num qualquer chão. E sem caminho de volta. Pois é, a vida é trágica, na dureza do crescer, na dureza da desilusão. O fim, "a estaca zero", e o mais profundo sentimento de perda.
Um poema excelente, com versos geniais!
xx

Shirley Brunelli disse...

Infelizmente caminhamos para essa realidade, não dá para esconder a cabeça na areia.
Muito bom, Fábio, gostei, um beijo!!!

Fábio Murilo disse...

Sem palavras. Obrigado, Laura.

Fábio Murilo disse...

Obrigado, Shirley.

Jeanne Geyer disse...

olá, estou conhecendo teu espaço e já te sigo. tua poesia é tocante e bela, vc tem coragem de falar da dor como poucos conseguem, preferem ignorar. bjs

http://0relicariodeemocoes.blogspot.com.br/

Fábio Murilo disse...

É, falou uma coisa certa, Jeanne, coragem. Há um preconceito, um condicionamento, hipócrita, pra sempre falar bonitinho, pra se enganar. "O que dá pra sorrir, dá pra chorar" diz o ditado. Uns dias são de sóis, outros de chuva, há horas pra sorrir, outras pra lamentar. A dor e o prazer se completam, se justificam. Obrigado pela visita, volte sempre. Beijos!

Evandro L. Mezadri disse...

Belíssima obra Fábio!
Uma aula de poesia, forte, reflexiva, profunda, contagiante!
Grande abraço, sucesso e ótima semana!

Fábio Murilo disse...

Que nada, Evandro. Rs. Você que é o cara! Obrigado. Abraços, desejo o mesmo pra você.

Anônimo disse...

Lindo demais, que cheguei até a me emocionar Fábio! Simplesmente linda poesia!
Abraços

http://simplesmentelilly.blogspot.com.br/

Vanessa M. disse...

Gostei muitíssimo do poema, achei-o sublime, Fábio!
Que palavras tocantes.. A melancolia presente nelas torna-as ainda mais profundas, a meu ver.
Por certo a vida tem sim seu toque de tragicidade, que por vezes ameaça sucumbir nossos anseios, deixando-nos assim desamparados.. Descreveste perfeitamente este sentimento.

Tenha uma ótima semana!
Um grande abraço

Si Lima disse...

"Não queria mais sofrer, mas não teve jeito,
A vida sempre desaponta, é essencialmente trágica."
A ausência se tornando concreta demais pra esses sonhos abstratos demais que tenho no peito. Teus versos me puseram no centro de tudo/de algum lugar que eu não sei qualé e toda essa tragicidade nas peles e corações alheios parecia passear tristemente ao redor, num plano em preto-e-branco. Teus versos são maravilhosos.

Beijoo'o

Vitor Costa disse...

"De repente tudo se inverteu, e o que era céu virou chão,
O que era espaço, escasso, o que era caminho, contramão."
Genial Fábio, assim como todo o resto. Já tinha dito anteriormente, e reitero: esse poema me tocou bastante, com suas palavras fortes, metáforas grandiosas que descrevem o quão profundo é o sentimento da ausência. Melancolia visceral ressaltada por essa música sublime. Tem bom gosto para músicas Fábio rs
Abraços meu amigo.

Vane M. disse...

Olá, Fábio, como vai?
Agradeço a visita em meu blog e já estou por aqui... volto com mais tempo para apreciar seus escritos, gosto muito de quem sabe poetar. Um abraço!

Helen Ferreira disse...

Das coisas que eu gostaria de ter escrito!

Muito bonito, e verdadeiro como sempre.

Fábio Murilo disse...

Poxa, Lilly, que bom saber que o poema cumpriu seu objetivo, emocionar. Obrigado.

Fábio Murilo disse...

Obrigado, Vane, pelos sempre consistentes comentários. Abraço.

Fábio Murilo disse...

Maravilhoso foi seu comentário, um poema dentro do outro. Obrigado, Simone.

vida entre margens disse...

Pois é Fábio...a vida anda em círculo, umas vezes nos parece céu, outras chão. Umas vezes o sol brilha, outras vezes tudo nos parece escuridão. E o pior é que quando estamos no chão , ou na fase escura, tudo à nossa volta parece desmoronar-se, e a força parece faltar-nos para seguirmos em frente.
Dói por vezes mais, que vísceras expostas...porque o oco da ausência sente-se, quando até as vísceras parecem ter-nos abandonado.
Gostei do realismo deste poema, da descrição fiel, do que é uma vida composta de tudo, e ao mesmo tempo também cheia de nada. Do que é o cair e o levantar.
Tomando consciência, é meio caminho para o recomeço.

Ah....a sonata ao luar Beethoven....uma delícia!!

Fábio Murilo disse...

Que ótimo, Vitor. Tua opinião é de peso, gosto muito deu sua visão e sensibilidade apurada. Obrigado. Abraços, amigão.

Fábio Murilo disse...

Vou bem, Bia. Precisa me agradecer não, foi um prazer. Abraços.

Fábio Murilo disse...

Obrigado, Guria. Sinto-me lisonjeado com o que disse, eu que aprecio a qualidade de tua poesia, a olhos vistos, bem sabes. Tu que é ótima!

Fábio Murilo disse...

Falar mais o que, Cristina, disseste tudo e mais alguma coisa. Obrigado. Beijos!

Tais Luso de Carvalho disse...

Oi, Fábio, não dá para esconder o problema, como diz a Shirley, todos passaremos, porém jamais acostumaremos com o inferno que desnorteia todos nossos sentimentos. É o caos, céus descem, inferno toma a dianteira. E haja saúde para arrumar a bagunça que fica. Belo poema, triste, incomoda porque nos obriga a pensar e até visualizar... Mas o poeta tem de ir a fundo, mesmo nas piores situações.
Beijos!

serra de alencar, gabriela disse...

A gente sabe quão sincera é uma poesia quando conseguimos sentir a falta que o outro sente. Belíssimos versos.

Fábio Murilo disse...

Olá, Gabi. Que legal o que disse. Obrigado!

Anônimo disse...

Boa tarde Fábio, seu poema está espetacular... palavras saídas do âmago da alma...
Li alguns comentários feitos aqui, acho muito legal essa interatividade. Seus poemas sempre instiga o leitor a um comentário inteligente.

Beijos no coração!

Fábio Murilo disse...

Exato, Tais. Como diz Chico: "Uns dias chovem, outros dias fazem sol,mas o que que quero lhe dizer que a coisa aqui tá preta". Tudo tem sua beleza, trágica embora. Beijos!

Fábio Murilo disse...

É mesmo, Fê. Essa interatividade, que fala, é muito boa realmente, a diversidade de opiniões, as interpretações e as visões de mundo, só acrescentam. Inclusive os seus imprescindíveis comentários também. Muito obrigado, tem cadeira cativa aqui. Beijos!

Patrícia Pinna disse...

Bom dia, Murilo.
Um poema repleto de realismo por si só.
A vida é assim mesmo, paradoxal, um dia se está voando nas alturas e feliz sem conseguir descrever, noutra, aparece uma fatalidade, algo ruim que muito nos entristece e decepciona e nada podemos fazer a não ser lidar de uma forma natural com o problema apresentado.
O que muda e sempre mudará será a nossa atitude perante os fatos.
Se tivermos de viver a tristeza por um tempo que a vivamos, certamente aparecerá mais adiante uma nova situação que nos fará felizes.
Fugir é que nunca dá meio em meio aos destroços da nossa alma.
Tenha uma semana de paz.
Parabéns pelo belo poema!

Fábio Murilo disse...

Obrigado, Pat. Beijos!

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